1.10.08

 

Uma Evocação de Jorge de Sena

Na passada noite de 10 de Julho do corrente ano, estive, como muitas outras pessoas, no Teatro Nacional de S. Carlos, em Lisboa, numa evocação dos 30 anos do desaparecimento do nosso grande e saudoso Poeta, Romancista, Ensaísta, Intelectual socialmente interventivo, Professor Universitário de Literatura e Engenheiro, Jorge de Sena, figura de multímoda exuberante criatividade, que indelevelmente deixou marcada a sua presença na cultura portuguesa do século XX.

Nessa noite, a recentemente criada Fundação José Saramago decidiu promover uma sessão especial de homenagem a Jorge de Sena, a que o então também recentemente empossado Ministro da Cultura, José Pinto Ribeiro, se dignou associar, comparecendo em pessoa e intervindo no final da sessão.

Mesmo as figuras polémicas, como Jorge de Sena, acabam por receber, por vezes, destas honrarias dos representantes das Instituições que, em sua vida, sempre lhes recusaram as mais justas e inteiramente merecidas distinções oficiais.

Também neste caso, cabe dizer : melhor tarde que nunca, sem que esqueçamos a falta cometida.

Sendo eu também um já algo antigo leitor e admirador de Jorge de Sena, com os meus mais de 30 anos de convívio, intermitente embora, mas sempre retomado, com a sua tão fecunda obra literária, construída, de resto, à imagem da sua rica e tumultuária personalidade, não poderia faltar a tão oportuna sessão de evocação e homenagem.

Na verdade, comecei a ler Jorge de Sena aos vinte e poucos anos, naquele turbulento, mas extremamente estimulante caldeirão cultural de 1974-1975, e logo me apercebi da sua espantosa grandeza.

Nos anos subsequentes, li-o quase febrilmente e ainda hoje me fascina todo o seu vasto horizonte intelectual, como se pode confirmar em qualquer peça da obra torrencial que nos legou.

Oxalá esta oportuna sessão tenha despertado entre os Portugueses, em particular, a renovação do interesse pela obra deste imenso escritor do Mundo, no presente algo esquecido em Portugal, sua Pátria madrasta, como ele sempre bem no-lo lembrou.

A sessão, contudo, se me suscitou claros elogios, suscitou-me também críticas justificadas.

Estas têm que ver, em primeiríssimo lugar, com um facto que me surpreendeu e decepcionou, uma vez que não admitiu a participação final do público, após a intervenção do painel de especialistas convidados.

Mesmo contando com fracos dotes oratórios, preparava-me para questionar a distinta mesa de especialistas em Jorge de Sena, sobre alguns pontos que reputo importantes da sua vida e obra, bem como tencionava contestar uma das afirmações proferidas por um dos especialistas presentes, o Prof. Vítor Aguiar e Silva, que me causou espanto e vivo desagrado.

Há de facto algumas questões sobre Jorge de Sena que nunca vi claramente abordadas pelos especialistas em Literatura, designadamente em Jorge de Sena, que aproveito agora para as divulgar urbi et orbi :

1 – Sabendo nós que J. Sena era filho de um Oficial da Marinha Mercante, que faria muito gosto em que o filho seguisse a carreira de Oficial da Marinha de Guerra Portuguesa, desejo esse que estaria inicialmente também na mente do jovem J. Sena, o que o terá levado, por certo, a matricular-se na Escola Naval, como se explica o seu posterior afastamento da Instituição ?

Ainda mais, sabendo nós também que, como corolário da sua natural capacidade, concluiu J. Sena, pode dizer-se, com distinção, o 1º ano do curso de Marinha, visto ter sido o melhor aluno do seu curso, nesse ano.

Fez ainda J. Sena, no final do ano lectivo, a sua viagem curricular de cadete, que lhe proporcionou a visita entusiasmada a Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Angola e Brasil, entusiasmo de que nos deixou largos testemunhos em alguns dos contos do livro «Os Grão-Capitães».

Tudo indicaria, portanto, que J. Sena poderia cursar uma carreira brilhante na Marinha de Guerra Portuguesa. Subitamente, porém, J. Sena aparece depois afastado, expulso ou excluído da Escola Naval.

Que motivo ou motivos terão estado na origem desta situação aparentemente inesperada ?

Nunca li nada de esclarecedor deste facto e perdi a oportunidade de inquirir o conhecimento dos especialistas presentes na sessão do S. Carlos, em especial o do Prof. Jorge Fazenda, que deve ser das pessoas, em todo o mundo, que mais e melhor conhecem da vida e da obra de Jorge de Sena.

2 – Em segundo lugar, gostaria de tivessem explicado o episódio rocambolesco da tentativa de ocupação da casa de Jorge de Sena, em Portugal, no Restelo, após o 25 de Abril, por um grupo de exaltados, a pretexto de que a casa estava desabitada e pertenceria, provavelmente, a algum burguês endinheirado, pouco agradado com o curso da Revolução.

3 – Em terceiro, gostaria igualmente que tivessem esclarecido o facto estranho de Jorge de Sena nunca ter sido convidado para leccionar uma Cátedra na Universidade Portuguesa, após o 25 de Abril, apesar de ele ser um excelente Professor Universitário, de categoria internacional, prestigiadíssimo por leccionar numa famosa Universidade americana, em Santa Bárbara, onde foi coordenador de vários Departamentos de Literatura Portuguesa, Brasileira e Espanhola, depois de haver leccionado também noutra Universidade americana a de Wisconsin, em Madison, após a sua saída do Brasil, em que igualmente leccionou, tendo iniciado aí a sua brilhante carreira universitária, não sem algumas peripécias contrárias a esse objectivo, como ele mesmo disso nos deu prosa abundante, nos extensos e fogosos prefácios dos livros que publicou em vida.

Nesses seus típicos prefácios, J. Sena aproveitava para ajustar algumas velhas contas com certas figuras ou instituições, naquele seu estilo acerbo, mas aberto, directo, frontal que sempre o caracterizou.

Fora do universo seniano, teria ainda gostado de esclarecer outro ponto, este com o Prof. Vítor Aguiar e Silva, que, a certa altura da sua intervenção, se lamentou de ter de recorrer ao Dicionário Etimológico do espanhol Corominas para saber de etimologias de vocábulos portugueses, afirmação que me deixou boquiaberto, vinda de um Universitário português.

Sobre este tema das Etimologias do nosso vernáculo, há de facto poucos trabalhos em português, mas há pelo menos dois de inegável relevo: um do Prof. brasileiro, Antenor Nascentes, por sinal, grande amigo de outro ilustre Professor, o português, José Pedro Machado. Como é sabido, publicou Antenor Nascentes o seu alentado Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa logo no início dos anos 30 do século passado.

E, neste domínio da Etimologia, a outra obra que evoco é a do meu inesquecível Professor da disciplina de Português, do curso secundário, José Pedro Machado, a qual veio a lume, na sua primeira edição, em 1952, tendo depois sofrido várias revisões e diversos acréscimos, até ao final da década de 60 do século XX.

Além deste Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, em 5 volumes, J. Pedro Machado elaborou ainda um outro Dicionário designado Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, em 3 volumes, dedicado, em particular, a nomes de pessoas e de localidades portuguesas ou relacionadas com Portugal.

Não tendo havido possibilidade de intervenção pública, para o que estava preparado, como disse, apesar dos meus limitados recursos oratórios, no final, dirigi-me ao citado Professor Universitário e interpelei-o, pela sua já referida estranha afirmação.

Confrontei-o, com correcção, sobre estes mencionados elementos bibliográficos, que disse conhecer, mas a eles se referiu de maneira desdenhosa, tendo eu argumentado que os supostos grandes conhecedores destes temas e de outros correlatos, dos refinados meios académicos e universitários nacionais e estrangeiros, tinham já tido mais de 50 anos à sua disposição para fazer outro Dicionário, porventura mais completo, mais vasto, mais perfeito e, no entanto, esse trabalho, que eu soubesse, jamais teria aparecido.

A nossa conversa, cordata, apesar de tudo, terminaria pouco depois, embora eu dela tivesse saído algo penalizado, dada a minha longa ligação afectiva com José Pedro Machado.

Vi, assim, na displicência daquele Professor perante o trabalho alheio, a velha pecha portuguesa, sobretudo, que sempre se compraz em diminuir nos outros aquilo que, comprovadamente, não consegue realizar com os seus próprios talentos.

Por isso, poderíamos, agora, daqui legitimamente indagar :

Saberá o Prof. Vítor Aguiar e Silva avaliar quantas horas terá J. P. Machado consumido, da sua preenchida e honesta vida, para elaborar aqueles valiosos Dicionários ?

Tencionará o Prof. Vítor Aguiar e Silva ou algum seu dilecto colaborador produzir alguma vez na vida trabalho que se lhes possa avantajar ou sequer equiparar ?

Cá estaremos, se Deus ou os Fados quiserem, para o podermos comprovar.

Eis, em resumo, o que gostaria de ter esclarecido naquela noite com os distintos especialistas e demais auditório.

Ficará para uma próxima ocasião. Até lá, deixo aqui registada a minha algo decepcionada impressão da referida sessão de homenagem a Jorge de Sena.

AV_Lisboa, 30 de Setembro de 2008

Comments:
:-)

Um dos livros da minha vida é "O Fisico Prodigioso". Também é, sem sombra de dúvida um dos meus poetas preferidos.
 
Pois é António, vivemos "une petite vie", expressão francesa que muito me agrada para caracterizar a rotina e pequenez do quotidiano e da qual me lembrei ao ler o final do seu artigo. Outra expressão que uso (essa inventado por mim), vivemos todos num quintal pequenino, e acrescento não há lugar para tanta batata, feijão e demais legumes ou leguminosas, para não falar da "criação", palavra dilecta do povo (o rural) para designar os animazinhos criados para consumo doméstico ( e até isso nos quer tirar a União Europeia).
"Petite vie" e muita estreiteza de espírito e muita inveja e rivalidade e muita "luta" para se manterem as cátedras e demais lugares de poleiro (hoje estou muito rústica nas minhas imagens).
O Prof. Aguiar e Silva foi meu professor no último ano de faculdade, de Teoria da Literatura, e Literatura é o que mais gosto na Língua e cultura de um povo, neste caso - o nosso. Veio como convidado, fazer um favor (havia muita falta de professores), homem reconhecido e afamado no seu mister. Mas, desilusão das desilusões e nem foi das piores desilusões nem de longe dos piores professores que tive na faculdade, mas realmente Teoria era o termo certo da disciplina, Literatura também um pouco, sobretudo baseada na literatura alemã. Os alemães para aqui e para ali. Nós éramos alunos de Ling. e Lit. Modernas, variante de PORTUGUÊS e FRANCÊS, mas garanto-lhe que as dezenas de vocábulos alemães pronunciados pelo senhor durante todo o ano para designar actos, correntes, estilos, artifícios artísticos soavam bem perante os imberbes que éramos. Claro que decorámos poucos. Talvez por isso as notas não eram excelentes!!!!
Ah! Outra coisa, não entendo uma pessoa que quando fala não olha os outros nos olhos... menos ainda um Professor!!
Quanto a Jorge de Sena, coro ao dizer que conheço muito pouco da sua obra. Mas gostei do que escreveu e suscitou-me interesse e curiosidade - um outro valor importante da existência dos blogues.
Margarida
 
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